quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Pintura


ela suava. o suor pingava, como tinta, moldando sua pele com a dele.
ele respirava, fundo buscando fôlego, buscando prazer.
ela se arrepiava, cada fio do seu corpo, uma navalha. cada toque na pele, um corte.
o suor pintava seu quadro, no escuro daquele quarto, no fundo daquela cama.
no fundo daquelas almas em busca de algo. em busca de nada.
em busca de ter o que buscar. eles se encontravam.
se encontravam para pintar um quadro, com os corpos.
se encontravam para pintar um quadro, com as almas.
se encontravam para nunca mais ter o que procurar. por uma, duas horas.
ela transpirava a esperança de novos dias.
indo e vindo, naquele trem de todo dia.
naquele olhar vazio, na metade do dia.
buscando forças para um novo dia.
ele na correria da cidade grande. deixando o coração em casa, em busca de sangue.
se concentrando no meio da selva, imóvel na paisagem trágica da cidade grande.
eles se encontravam. para pintar um quadro com seus corpos.
para criar um conto com novos parágrafos, fugindo das mesmas palavras.
para pintar uma obra de arte, em busca da esperança.
em busca de algo para preencher o vazio de cada dia.
para pintar cada parte branca
daquele quadro enorme
chamado rotina.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Prazer


a garganta seca revela a mágoa
guardada na pele, trazida de berço
arrancada do peito daqueles que não gritam
não choram, não demonstram
e o meu prazer solitário se esconde em lugar nenhum
está pelos becos, sendo levado de boca em boca
sendo passado de boca em boca
de língua em língua
do mais egoísta
ao santo coletivo
ele transita livremente ilegal
imoral
sem senso racial
o meu senso é a dor dos que já foram
a minha dor é por continuar aqui
solitário
sendo levado de boca em boca
de língua em língua
por aqueles que compartilham do meu prazer.

domingo, 11 de novembro de 2012

Metade


decida seu caminho
um pé lá e outro aqui, não consigo mais
decida seu caminho
se alma ficou e o corpo continua
olhe para trás e tente se encontrar no caminho onde se perdeu
decida seu caminho, antes que seja tarde
a metade não me satisfaz
metade do seu ser não me alimenta
gosto de coisas completas, inteiras
abraços inteiros
beijos completos
gosto de fins entregues à paixão
se deu certo ou não
quem se importa?
desde que seja inteiro, inteira é a certeza que valeu
então se decida
não quero sua metade, não quero ser plano b
não quero ser o abraço que aquece sua metade
enquanto sua outra parte permanece imóvel
ou seja inteira
ou não seja
pela metade, não.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Poesia inútil


Às margens de chegar a algum lugar e não sair de lugar nenhum, me vejo rodeado de pessoas que podem ser definidas como pedaços de carne ambulante, sem aquilo que alguns chamam de alma para fazer jus ao que outros chamam de coração. 
Me encontro perdido num barco dentro de mim mesmo, onde a única saída é a mesma de anos atrás, porém mais escura e maldita, com mais erros e mágoas do que antes. A curva da próxima esquina não me permite seguir em frente, não há escolha, tenho que virar. Virar para não chegar, para não se despedir, para não dar adeus. Sigo olhando vago para lugares inúteis buscando uma solução inútil para resolver uma questão vulgar. Qual será o pedaço da alma que eu busco encontrar?! 
Chegar ao ponto de escrever por não ter mais o que falar e tentar resolver essa equação com a simplicidade de um abraço infantil, e ao mesmo tempo com a dificuldade de um aperto de mão da meia idade. 
O barulho do silêncio me incomoda, ouvir o que a mente tem para dizer é tão difícil quanto ouvir o que eu tenho para falar. Não falo nada, sou um eu lírico cansado, um romântico frustrado que só amava a si mesmo até o dia em que foi traído. As poesias não refletem mais a vontade e sim a maldade que eu fiz comigo mesmo. Não escrevo, não sofro. Não sofro, não escrevo. A válvula de escape é o sofrimento, sempre foi. Me transformei no meu eu lírico e acabei desaparecendo no meio do que eu escrevo. Me perdi nas poesias clichês, nas palavras certas, nas rimas erradas. Deixei um pedaço meu em cada verso que eu escrevi para alguém, e agora para me refazer, confesso que será complicado.

sábado, 25 de agosto de 2012

Quase 70 - Quase vivi

Daqui a 5 anos quero bater a porta de casa
E levar todas as minhas curtas experiências na bagagem da mente
Sorrindo, olhando pra frente
Acreditando num futuro melhor, vivendo meu presente sem pensar no passado
Sem pensar em tudo o que eu deveria ter passado
E ciente daquilo que já passou
Ciente do que sou, do que posso ser
Criando maturidade para enfrentar os dias reais
E deixando a irrealidade dos meus 18 para trás
Olhando coisas escritas a mão
Rindo das minhas baboseiras, sem perdão
Querendo voltar e dar um toque nesse antigo eu
Gargalhando das coisas que ele faz
Lhe dizendo que amar demais sempre ficará em 5 anos atrás


Daqui a 10 anos quero bater a porta da minha casa
E respirar fundo antes de mais um dia de trabalho
Olhar para o céu, observar o azul que me encanta
Não errar mais um passo sequer nesta dança
Quero acertar em tudo, não errar em nada
Quero viver uma perfeição programada
Quero ouvir cada partícula de racionalidade do meu corpo
E guardar todas as outras de sentimentalismo no bolso
Quero acordar cedo num Domingo e ir almoçar com meus pais
Dando a certeza que os amo muito além de 10 anos atrás
Quero acordar num Sábado e olhar para o lado
Ver um sorriso inocente de uma mulher que me ama
Sem uma pensar mais em uma gota de drama 

Daqui a 20 anos quero trancar a porta da minha casa
Pegar as chaves do carro, jogar para dentro a bagagem
Ouvir o motor dando início a nossa viagem
Olhando pelo retrovisor, vendo meus cabelos grisalhos
Minha face beirando os 40
Enxergando em cada traço algum problema
Alguma preocupação daquela semana estressante
Dando meia volta ao lembrar que esqueci meus calmantes
Você me acalma, diz que vou ficar bem
Te olho e penso se quero casar também
Não sei, não tenho certeza de nada
Só queria poder voltar aos 18
E me trancar no quarto para sofrer na madrugada 


Daqui a 30 anos quero trancar a porta da nossa antiga casa
Colocando as caixas no caminhão de mudança
Tudo ficou pequeno para a antiga vida mansa
Nada mais pertence ao seu lugar
E tentar manter uma ordem, ficou completamente impossível
As dores de cabeça falam por si só
Não sei se anos atrás eu estava melhor
As noites são tão curtas
E os momentos são tão raros
Como ensinar a alguém o que eu nunca gostaria de ter sido ensinado?
Amadureço como homem, como pessoa, como ser humano
Perto de fazer  50, você me ensina tanto apenas com 8 anos
É uma tortura constante, mas seu abraço vale a pena
Vejo o amor que nunca enxerguei nessa sua mãozinha tão pequena


Daqui a 40 anos quero bater a porta da nossa casa
Levando meus bichos de estimação na coleira
Usando como desculpa para sair daquele ambiente
E lembrar dos problemas evidentes
Que eu finjo esquecer, mas sempre lembro
É difícil distinguir o que é verdadeiro
Só lembro do doutor pedindo para eu diminuir os exageros
Sento no sofá, rego minhas plantas , vejo meu programa
Sou tão apático e previsível
Fiquei velho sem perceber
A vida passou tão depressa, mas não me arrependo
Só queria viver um pouquinho mais dos meus 30, pelo menos


Daqui a 50 anos quero não esquecer as chaves da minha casa
Mais uma vez, e ficar do lado de fora, esperando o chaveiro
Trazendo esperança com uma chave nova, para eu entrar naquela velha casa morta
Cheguei no limite da vida e nada me importa
Só uma chave nova para abrir esta minha velha porta
Esta minha velha casa, com minha visão torta
Essas minhas pernas bambas que não me sustentam como deveriam
Sinto raiva de sentir dor em mínimos gestos e movimentos
Sinto raiva de tudo
Me sinto um tanto quanto rabugento
Pessoas novas me irritam, pessoas velhas não me agradam
Cheguei no limite da vida e só quero ficar sentado, agasalhado
Escrevendo mais um futuro livro fracassado
O título eu já sei, se chamará “Quase 70 – Quase vivi”
Chega, já enjoei de vida, quero me aventurar nos caminhos da morte
Não sinto mais vontade de voltar em nenhuma idade
Só desejo acabar o mais rápido possível, com sorte. 

domingo, 5 de agosto de 2012

Escravo

Meu amor é escravo de você
Escravo do seu sorriso, escravo das suas palavras
Escravo do seu rosto ao me ver chegar, da sua expressão lúcida e viva
Sou escravo da sua vida, do seus batimentos cardíacos
Escravo das suas veias, escravo do sangue que te mantém em pé, para me manter em pé
Sou escravo e me maltrato, me rasgo por inteiro, na minha condição de escravidão
Meu amor é escravo de você
Escravo da sua boca, da sua pintura, das suas curvas de mulher
Meu amor é escravo de você
Escravo da sua inocência, da sua mania, da sua confiança de menina
Sou escravo e aceito a minha condição de escravidão
Sou escravo por não merecer
Sou escravo e não me pertenço, não me tenho, só me dou
Me dou para você, para me escravizar nessa condição
Meu amor é escravo de você
Escravo do seu jeito doce e sem querer de me dominar
Escravo da sua forma de acabar comigo
Escravo das poesias que por você eu vivo
Escravo das ilusões que por você eu me mato.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

história de amor (?)

Escrevi uma história de amor sem final feliz
Sem sorrisos, sem beijos de arrepiar, sem lágrimas de alegria
Escrevi uma história de amor onde você não esteve comigo
Onde os vilões foram o tempo e o universo
Escrevi uma história de amor onde eu era um poeta
E escrevia um milhão de textos e poesias para você
Minha inspiração, minha deusa
Escrevi uma história de amor onde não existiam diálogos
Apenas olhares, onde você era minha, e eu era seu
Só nesses olhares, distantes, você era minha
Olhares enfraquecidos, mas sempre cheios de amor
Escrevi uma história de amor onde você terminou nos braços dele
E a dor que se propagou nesse personagem principal, eu escrevi nos meus piores dias
E agora, depois de ter dito tudo o que poderia
Depois de te abraçar com todo o amor que você nunca mais irá ser abraçada
Esse personagem se joga naquele mar de sofrimento
Onde a sua única dor
É o seu próprio Amor.